Quando se fala da morte, no campo das ciências biológicas, imagina-se a falência de um órgão que atravessa a destruição celular, somando a falta de oxigênio, num cessar da circulação sanguínea e da vida cerebral. Segundo Pazin-Filho (2005, p.20): “A definição mais aceita, em termos médicos, é o término das funções vitais. Amplamente difundida essa definição não é exclusiva da medicina e é utilizada igualmente por leigos.”
A morte na Grécia antiga, conforme retrata Godelier (2014), é anunciada quando os olhos se fecham e a visão é interrompida. O cessar da vida ocorre quando não se enxerga mais o amanhecer, o sol e os semelhantes. A mitologia grega relatou a morte por meio do enredo de Tânatos, inimigo do ser humano, segundo Hesíodo (poeta que viveu no século VIII antes de Cristo), esse filho da noite fixou sua morada na porta do inferno. BRANDÃO (1986, p.226):
Tânatos, que tinha coração de ferro e entranhas de bronze, é o gênio masculino alado que personifica a Morte. Na tragédia grega, surgiu como personagem pela primeira vez na obra de Erínico (século VI a.C.), mas, na realidade, só se afirmou a partir da tragédia de Eurípides, Alceste. Tânatos não tem um mito propriamente seu. O combate que ele trava com Héracles na Alceste e sua desventura com o embusteiro Sísifo, apesar de serem extrapolações de cunho popular, muito contribuíram para fazer do deus da morte uma personagem dramática.
A mitologia grega que fora contada por meio das narrativas (mitos) para os povos gregos disseminou-se nos tempos e nas nações, sempre levando as especificidades que exprimem um caráter simbólico e personificado, procurando explicar a origem daquilo que existe. Aqui mencionamos Tânatos, pois emerge um valor psicológico em todo ser humano. Esse elemento imagético, metafórico, atravessou os tempos e de alguma forma influencia as explicações do que é o morrer. Assim comenta Brandão (1986): há um repertório de imagens ligados a esse tema, Tânatos, que já foi representado por uma sepultura, uma figura humana armada com uma foice, um gênio dotado de asas, um preto, outro branco, uma escanifre de ossos, um cavaleiro, um bailar macabro, uma serpente ou um condutor das almas dos falecidos em sua morada final. Assim, Tânatos é o destruidor da vida, e quando uma pessoa presencia a outra pessoa morrer, é possível que esse amedrontamento horrífico do monstro que assombra logo chegue a ele ou ela. Dados esses elementos, qual é o simbolismo que permeia as pessoas quando entram em contato com a morte de um ente querido ou alguém em seu leito de morte?
No texto “A transitoriedade” (2016), Freud, conta sobre conversa que teve com um poeta famoso, num verão antes da guerra, na qual este dizia sobre o entristecer que sentia, pois, as coisas eram passageiras e a beleza humana se extinguia. Essa finitude das coisas perpassa a existência. Conforme Freud (2009, p.248):
Ocorre que essa exigência de imortalidade é tão claramente um produto de nossos desejos que não pode reivindicar valor de realidade. (…) Eu não pude me decidir a refutar a transitoriedade universal, nem obter uma exceção para o belo e o perfeito.
Aqui, Freud fala da morte de uma maneira positiva pois lhe agrada essa travessia com duração determinada, destacando que isso valoriza muito a raridade do tempo. Freud (2010, p.236):
“Para o homem primevo, sua própria morte era certamente tão irreal e inimaginável quanto ainda hoje é para cada um de nós.”
A morte, tendo como imagem simbólica algo que é monstruoso, pode ser reconstruída e acreditamos que se houver um canal de comunicação que se faça por meio de instrumentos da psicologia, desde conversas, desenhos realizados a partir de métodos estudados, ou por meio de relatos de estórias projetivas essa imagem do Tânatos pode se tornar um enfrentamento criativo, mais realista e, talvez, uma alegria.
Referências
BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia grega. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1986. 356p.</p>
FREUD, Sigmund. A transitoriedade. In: ______. Introdução ao narcisismo, Ensaios de metapsicologia e outros textos (1914-1916), (Obras completas, v. 12). São Paulo: Companhia das Letras, 2010. p. 248-249..
GODELIER, Maurice. Sobre a morte: invariantes culturais e práticas sociais. Tradução de Edgard de Assis Carvalho e Mariza Perassi Bosco. São Paulo: Edições Sesc São Paulo, 2017.
Filmes: Viva – A vida é uma festa, produção da Disney; O Sétimo Selo, do diretor Ingmar Bergman.