Uma menina pobre vivia sozinha com a mãe e não tinham mais o que comer. A menina saiu de casa e encontrou uma velhinha que resolveu ajudar e deu uma panelinha para a qual ela deveria dizer “cozinha panelinha!” e esta faria um mingau delicioso; e, quando ela dissesse “pára, panelinha”, a panelinha não mais cozinharia. E assim, a menina e sua mãe não sentiriam fome. Um dia a menina saiu de casa e a mãe disse “cozinha, panelinha” e esqueceu as palavras do comando de parar. E o mingau foi inundando a casa, o vilarejo, como se quisesse saciar a fome de todo o mundo, e se tornou um grande problema. Ninguém sabia o que fazer. Finalmente a menina apareceu e disse “pára, panelinha” e a esta logo parou de fazer mingau; porém quem quisesse ir à cidade tinha que abrir caminho comendo mingau. Este é o resumo do conto O mingau doce, dos Irmãos Grimm.
Essa imagem construída pelo conto associa-se a relatos que ouço no consultório: a comida para suprir vazios existenciais ou dar prazer. Nas sessões terapêuticas as pessoas não sabem muito bem por que comer traz um certo alívio naquele momento de ingestão de guloseimas e até de bons alimentos.
As pessoas relatam que se enxergam no meio dos bolos, doces, salgadinhos, frituras, hambúrgueres, refrigerantes, cervejas e todo tipo de gulodices, como se naquele instante esquecessem de suas vidas e desativassem os pensamentos angustiados. A ansiedade vai se esvaindo e a satisfação traz um conforto temporário. A comida passa a ser uma amiga que apresenta cores, sabores, texturas e conforto para a mente. Quando alguém come, traga com gosto uma bolacha, gororoba, iguaria, merenda, lanche, almoço, jantar, manjar, paçoca, chocolate…
O “nutrimento” consegue trazer um conforto, percebido como um momento em que se esquece que a vida não é só de prazeres e, assim, sente-se leveza, deleite e culpa.
Um ataque do comer. A tensão encontra satisfação só quando volta ao estado anterior: “Pára, panelinha; pára, panelinha…“ para não transbordar. O movimento pulsional quer diminuir a tensão ao máximo e aciona a panelinha. Assim, ao ímpeto de comer está implícito subjetivamente um não dito que está querendo transbordar. Compulsão a repetir o hábito de buscar a satisfação emocional. Uma criança quer só prazer e satisfazer, no seio da mãe, a fome atormentadora. O princípio da realidade é saber esperar para comer noutra hora (não por impulso ou compulsão). O neurótico não pode esperar e precisa do já, agora.
Freud (2014, p.165):
Sabemos que o princípio do prazer é próprio de um modo de funcionamento primário do aparelho psíquico, e que, para autoafirmação do organismo em meio às dificuldades do mundo externo, já de início é inutilizável e mesmo perigoso em alto grau. Por influência dos instintos de autoconservação do EU é substituído pelo princípio da realidade, que, sem abandonar a intenção de obter afinal o prazer, exige e consegue o adiamento da satisfação, a renúncia a várias possibilidades desta e a temporária aceitação do desprazer, num longo rodeio para chegar ao prazer.
O princípio do prazer está atento ao estímulo do comer (de fora), e é perigoso também para o instinto da vida, mas o que dificulta a tarefa de estar bem consigo mesmo é não saber como dizer “pára, panelinha”.
Referências
FREUD, Sigmund. Além do princípio do prazer. 1920. São Paulo: Cia. das Letras, 2014.
GRIMM, Irmãos. Contos Maravilhosos Infantis e Domésticos (português). Capa Comum – Conjunto de caixa. Cosac Naify, 2015.
Eu gostei mt da história, anotei ela no meu aplicativo favorito…já vi sobre, mas acho quee na minha versão que vi, escutei ou vi em algum lugar, fala que todos na cidade se fataram de mingau. Essa linda versão anotei no meu caderno, mas gostei da história.
Oi Guilherme,
Vi seu comentário no meu blog. Fiquei contente por ter gostado da história. Os livros dos irmãos Grimm nos proporcionam viagens no tempo, na mente e na história. São verdadeiros tesouros da literatura que envolvem nosso psiquismo .
Abraço,
Miriam Ferrari