Um convite para se entregar à angústia

Com o covid-19, pessoas são apartadas umas das outras, e os profissionais da saúde e alguns outros apartados da quarentena

Comum é o sentimento de tristeza, aprisionamento, sobrecarga emocional, o medo da morte, o pavor do que está por vir. Emoções diversas atravessam os pensamentos e nesse momento tão emblemático para humanidade as pessoas estão procurando coisas para fazer dentro de suas casas, além de higienizar tudo que se vê pela frente, higienizar a mente. E os profissionais que estão na linha de frente, entregado-se ao ofício, estão procurando higienizar, além do corpo, também o seu pavor. 

Boa solidão é aquela escolhida e não aquela forçada. Uma tarefa que exige olhar para dentro de si.  

Pausa para um poema do Paulo Leminski: 

Segundo consta 

O mundo acabando,
podem ficar tranquilos.
Acaba voltando
tudo aquilo.

Reconstruam tudo
segundo a planta dos meus versos.
Vento, eu disse como.
Nuvem, eu disse quando.
Sol, casa, rua,
reinos, ruínas, anos,
disse como éramos.

Amor, eu disse como.
E como era mesmo?

Aproveitar o momento no caos instalado! 

Aos que ficam em casa, às medidas do senso comum (saia das redes sociais, faça meditação, faça atividade física em casa, coma bem) acrescento a aceitação de um pouco de caos e de sofrimento psíquico, que também faz bem. Um novo momento e novas surpresas, um caminho a não ser negligenciado e a angústia como porta de entrada para o autoconhecimento.  

Aos que saem para trabalhar, as estrelas e o cuidado com a proteção da mente pois o campo do pensamento é ilimitado e o cansaço desconecta, mas reconstruam tudo, segundo a segundo.  

Terminamos o texto com uma frase do filósofo Deleuze (1974, p. 152):

“Que haja em todo acontecimento minha infelicidade, mas também um esplendor e um brilho que seca a infelicidade e que faz com que, desejado, o acontecimento se efetue em sua ponta mais estreitada, sob o corte de uma operação (…). O brilho, o esplendor do acontecimento, é o sentido.”

Sentir o acontecimento e não desesperadamente encontrar aconselhamentos, subterfúgios megalomaníacos e falseados. A realidade posta e bem vivida, com prudência e cuidados.  

Referências

DELEUZE, G. Lógica do sentido. Tradução de Luiz Roberto Salinas Fortes. São Paulo: Perspectiva, Editora da Universidade de São Paulo, 1974. (Estudos 35). 

LEMINSKI, P. Toda poesia. Companhia das letras. São Paulo: 2015. 

Trilha sonora do tema

Aqui vai um lista musical para estes dias estranhos de pandemia, em que poderemos tomar contato com tão diferentes emoções.

8 comentários em “Um convite para se entregar à angústia”

  1. Apesar de ser “louco” sou uma pessoa muito realista. Viver a vida come ela é, na carne, com todo prazer e dor é o que faço. Atormentado sempre fui, porém nos momentos de maior sofrimento é quando estou mais racional. Louco estou mas muito lúcido neste momento. Coragem e força são as minhas palavras. O medo existe, e existamos.

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